Gol teria manipulado escala de voos para burlar fiscalização


O Globo
21/08/2010
Procuradora diz que funcionários foram embarcados como passageiros
Wagner Gomes

SÃO PAULO. A procuradora Laura Martins Maia de Andrade, do Ministério Público do Trabalho de São Paulo, disse ontem que há indícios de que a Gol tenha manipulado as escalas de voos de seus funcionários. Ao analisar o programa de horas trabalhadas dos empregados, Laura percebeu que a companhia aérea modificou a classificação de voo da tripulação — embarcada como se fosse passageiro, por exemplo — para não exceder o número máximo de horas trabalhadas permitido pela legislação, um subterfúgio para evitar multa da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

— Como a Anac fiscaliza as horas excedentes, alguns funcionários acabam voando como se não fizessem parte da tripulação. Peguei uma escala em que a pessoa foi para Caxias do Sul seguidamente como CAT 1, ou seja, como passageira, possibilitando que a jornada não fosse ultrapassada. Existe manipulação — disse Laura.

Nos dias 14 e 15 de janeiro, uma funcionária da Gol apareceu na escala programada como tripulante e na escala executada como passageira, como se estivesse se deslocando para uma outra região e assumir um voo. Em um e-mail à empresa, a funcionária disse que, em nenhum momento, pegou o voo como passageira, e sim como tripulante.

A Gol disse que não vai se manifestar sobre o assunto. Em nota, a companhia aérea afirmou apenas que já apresentou a documentação requerida pela Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, e que terá até 31 de agosto — data de uma nova audiência de conciliação — para se manifestar. Até lá, os funcionários da empresa vão manter o “estado de greve” aprovado em assembleia na semana passada, à espera de uma solução por parte da empresa.

Empresa recebeu nove propostas para adequação No início do mês, os funcionários reclamaram de carga excessiva de trabalho e se negaram a cumprir as escalas, o que resultou em vários voos cancelados e atrasados nos aeroportos brasileiros. Pela legislação vigente, o funcionário não pode exceder 85 horas de voo no mês.

Na audiência realizada ontem no MP paulista, a procuradora apresentou nove propostas à companhia aérea, entre elas a elaboração das escalas de voo com indicação “clara” do total de horas de voo, a obrigação de um intervalo de 12 horas na programação sem modificações posteriores e o cumprimento das folgas da jornada de trabalho de acordo com a legislação.

A proposta prevê ainda a não escalação de uma mesma tripulação em duas madrugadas seguidas, mesmo que o funcionário esteja fora da base.

Também há pedido para que a limpeza das aeronaves seja feita por funcionários terceirizados e que a venda de produtos a bordo seja autorizada somente com a escalação de um ou dois comissários a mais para evitar prejuízo à segurança do voo. Outra proposta especial seria a empresa contratar um convênio médico com custo menor para os trabalhadores.

A presidente do Sindicato Nacional dos Aeroviários, Selma Balbino, disse que a proposta não contempla “o conjunto das reivindicações da categoria”, entre elas a equiparação salarial com outras companhias aéreas. Segundo ela, a Gol está “empurrando com a barriga esse situação e jogando com o tempo”.

Essa foi a segunda audiência entre a Gol e os sindicatos no Ministério Público do Trabalho.

Laura disse que as denúncias coincidem com os depoimentos tomados sob sigilo pela procuradoria.

— Ninguém aguenta trabalhar seguidamente de madrugada.

A pessoa fica com o relógio biológico completamente biruta. Isso compromete a segurança do voo. As horas de voo são extrapoladas e os funcionários estão muito cansados.

A escala precisa ser humanizada.

Eles são submetidos a uma fadiga crônica — afirmou a procuradora.

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